domingo, 24 de junho de 2018

[sem título]

Esperei por ti. Nos idos da madrugada. Nas tardes quentes de Junho. Nas manhãs frescas de orvalho. Esperei por ti. Paciente. Resistente. Sem nunca me cansar. Sem nunca colocar em causa a minha espera, o meu amor, a certeza de que voltarias. Esperei por ti como quem espera pela Primavera em flor, na certeza de que os campos vão renascer e de que as sementes darão os seus frutos cuja frescura matará a sede de beijos. Esperei por ti como quem espera pelas chuvas de Abril, que saciam a fome da terra e lavam os resquícios das guerras do amor. Esperei por ti. Sem medo. Certa e segura do meu sentir. Esperei por ti em todas as noites de solidão, em todas as cartas que te escrevi, em todos os versos que te dediquei. Esperei por ti em todas as telas que pintei, em todas as flores que plantei, em todos os pores-do-sol que testemunhei. Esperei por ti além do cansaço dos dias e da dor, além do peso das responsabilidades e do trabalho dos sonhos [afinal, fiz de ti o meu mais bonito sonho]. Esperei por ti como quem espera pela aurora da vida, aquele momento de luz em que tudo nos é revelado e em que fica sempre tudo bem, em que a vida se eterniza e a tristeza não tem lugar. Esperei por ti com o mesmo carinho com que esperava os presentes de natal, não porque ansiasse esses presentes mas sim porque eles eram sinónimo de lembrança e de amor. Esperei por ti com a mesma doçura com que esperava pela romaria da aldeia e pelo algodão-doce em demasia. Esperei por ti como quem espera pelas estrelas cadentes para pedir desejos, como quem corre atrás do arco-íris e do pote de ouro prometido. Esperei por ti como quem espera pelo presente mais bonito, pela canção mais perfeita, pelo beijo que matará todos os dragões e salvará todas as princesas guerreiras. Esperei por ti como quem espera pela liberdade, como quem espera pelo ar que salva, pelo colo que abriga, pela mão que compõe. Esperei por ti, mas tu não vieste. E foi tão longa a minha espera. Tão longa e dolorosa. Tão longa e solitária. Despersonificou-me. Reduziu-me ao mero papel de quem se esqueceu de viver para esperar. Fiz da minha vida um banco de jardim e deixei-me de lado. Esqueci-me de mim e gastei todas as forças a alimentar a esperança de que voltarias. Mas tu não voltaste. E eu cansei-me de esperar. Cansei-me de esperar por ti, não porque já não te ame, mas porque percebi que me amo. E este amor por mim pede-me que me escolha, que avance e que transforme este amor por ti em palavras e poemas.


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