segunda-feira, 17 de julho de 2017

As Aventuras de Anamar | 3


Anamar sofria de insónias. Não todas as noites. Só de vez em quando. Só quando não conseguia aquietar a mente ou acalmar o coração desvairado que lhe dançava no peito. Aquela noite seria uma noite de insónia. Anamar previu-o quando, pelas vinte e duas horas e trinta e quatro minutos, se deitou na sua cama de lençóis fofos com mandalas estampadas e sentiu que os olhos não queriam fechar. Por mais que tentasse, não conseguia cerrar as pálpebras. Ficou de barriga para cima, com esses olhos indomáveis cravados no tecto e no candeeiro do qual pendiam quatro caça-sonhos em miniatura. Começou, então, a questionar o seu nome. Anamar. Nunca gostara do seu nome como gostava de chocolate. Achava que era um nome insípido, leve, vago, sem um toque grave que lhe conferisse rigor e mestria. Era incomum, é certo, mais isso não bastava. Tivesse podido escolher, e Anamar ter-se-ia chamado Amélia, ou Genoveva, ou Josefina, ou Júlia, ou Julieta, ou Verónica, ou outro nome qualquer que, quando pronunciado, encerasse em si um tom forte e austero, como que um aviso de que não ousem sequer duvidar de mim. Anamar achava que os nomes faziam as pessoas, moldavam as suas personalidades, protegiam-nas dos salteadores de corações. Quem se atreveria a desferir golpes de espada numa Genoveva ou a fazer falsas promessas a uma Josefina ou mesmo a tentar ludibriar uma Verónica. Não, ninguém se atreveria a desafiar a sua sorte com senhoras de nome valente. Porém, de uma Anamar todos ousavam chegar perto, com boas ou não tão boas intenções. Uma Anamar era feita da leveza do ar e do sereno do mar. Uma Anamar tinha um coração aberto, com ondas em tons de verde e búzios que cantavam na volta da maré. Uma Anamar tinha os olhos cheios de água cristalina e com vontade própria, que escorria pelo rosto como cascatas em estado puro. Uma Anamar andava sempre com a alma em desordem, num sentir demais, num querer demais, num sonhar demais, sem rumo definido ou porto seguro. Uma Anamar não teria nunca as certezas de uma Júlia ou a vida pacata e ordenada de uma Julieta com o seu Romeu. Talvez por isso, Anamar implicasse tanto com o seu nome. Porque acreditava que, mudando de nome, deixaria de ser quem era, deixaria de ser a dona da casa com poemas espalhados e a sonhadora sem um plano de vida, deixaria de ser a que ama sempre demais e a que passa o tempo à procura dos pedaços do coração, deixaria de gostar de usar malinhas amarelas e saias aos folhos e colares de muitas cores e óculos de sol antigos e batom cor-de-laranja. Anamar acreditava que, tendo outro nome qualquer, poderia reescrever a sua história e ser o que queriam que fosse. Mas Anamar era Anamar, a eterna miúda de quase trinta, que continuava a comer algodão doce e pipocas de morango, enquanto inventava estórias na sua cabeça para depois escrever. E nessa noite de insónia, Anamar chegou à previsível conclusão de que o nome com o qual os queridos pais a baptizaram era o nome certo para si. E não valia a pena voltar a pensar nisso e a desejar outro nome e a querer ser quem não era, com um coração a estrear mas sem nada para contar. Decidiu render-se ao sono e à beleza do seu nome. Eram seis horas e cinquenta e nove minutos. Às sete em ponto, o despertador tocou.

Sem comentários:

Enviar um comentário