domingo, 30 de dezembro de 2018

crónicas d'algibeira | 1

A vida ensina [e ensina tanto] que o tamanho dos espaços e a duração do tempo é uma utopia, uma ilusão fabricada no sótão proibido da alma. A vida ensina que não somos os bens que temos, mas os sonhos que acalentamos [como disse, há nove anos, a Susana, essa mulher-cheia-de-sonhos que tanto me inspira]. Que, por vezes, temos de abrir mão da vida que planeámos para podermos viver a vida que nos aguarda [de braços abertos e pozinhos de perlim-pim-pim]. Que, se custa a nossa paz e horas de sono, então é muito caro. A vida ensina que os melhores presentes são obra do acaso [um acaso muito duvidoso, tal é a perfeição]. Que, se nasceste para escrever poemas e criar a tua vida, não podes querer fabricar dias em série só porque deve ser assim. Que nada é nosso, tudo é um empréstimo temporário com juros que podem ser muito altos. A vida ensina que devemos ser leves, pôr o coração ao alto, com verdade e essência, usufruindo com alegria e respeito das dádivas que ela nos dá. Que não adianta querer possuir o mundo de fora se não formos capazes de criar o nosso mundo de dentro. Que mais vale um sonho na mão do que uma algibeira cheia de dias vãos.


No teu ombro

Quero encostar a minha cabeça no teu ombro e ficar. Descansar os meus dias sempre tão cheios, o meu coração sempre acelerado, a minha alma sempre em desvario. Encostar a cabeça no teu ombro e drenar as tristezas que me consomem, as incertezas que me assaltam e os medos que, de quando em vez, teimam aparecer. Quero ficar assim, nesse calor, nessa paz que sinto contigo, nesse recanto de mundo que me acolhe e me suporta. Respirar o teu perfume, fazer dele bolha de oxigénio para quando o ar me faltar. Afagar com o meu rosto a tua pele, fazer dela o meu chão quando a vida me falhar. Sentir o bater do teu coração, ao compasso do meu riso desconexo, e fazer dele o meu reflexo, a minha luz no escuro, o meu mapa de estrelas, a melodia que me indica os lugares onde pertenço e aqueles para onde devo ir. Quero encostar a minha vida toda no teu ombro, e deixar-me ficar como quem espera o comboio da felicidade, como quem vê jardins de mil flores, como quem olha para o pôr-do-sol e tem a certeza de que amanhã ele voltará a nascer. Porque a vida é feita de ciclos e de acasos e tu és a prova de que, depois de tanto caminhar, cheguei a casa. Quero encostar-me no teu ombro, fechar os olhos e agradecer a todas as divindades [existentes ou não] pelo presente tamanho que foste e és para mim.


Pele

A tua pele cheira a distante, a infinito, a um mundo novo onde acabei de entrar. Cheira a canela e a outono, guardando em si a ternura do aconchego que me envolve e me sossega. Tem mapas desenhados, mapas de estrelas e sóis, de viagens que havemos de fazer e de caminhos que hão-de sempre trazer-nos de volta a casa. É um mar sem fim, a tua pele, onde mergulho sem medo, na certeza de que os teus braços e o teu amor irão suster as minhas quedas e sarar as feridas das minhas batalhas. É uma tela em branco, onde desenho abstratos coloridos, panóplia de cores sem sentido que me fazem sentir emoções que me devolvem à certeza de que está tudo bem, tudo certo, tudo alinhado segundo os pressupostos cósmicos. É um doce poema, a tua pele, o poema mais bonito, com versos que são melodia e me fazem dançar em rodopio, certa de que irei encontrar-te sempre nas voltas e contra-voltas da vida. Nessa pele onde perco os meus sentidos, a razão, a lucidez, onde sou inteira e por inteiro, onde inspiro e me inspiro no compasso acelerado dos nossos corações. Essa pele onde os meus dedos fazem magia, clareando os dias e ditando um futuro que será o presente mais bonito do mundo, adornado com a verdade que nos une, a essência a descoberto e a alma a postos para correr atrás de cada sonho que cruzar o nosso caminho. A tua pele, a minha casa, onde pertenço e recomeço.


domingo, 9 de dezembro de 2018

Meu abraço-poesia

Há abraços que são casa. E o teu abraço é uma casa. Uma casa de verdade, onde posso entrar sem cerimónia, trancar a porta e ficar nesse aconchego que me acolhe e me desarma. Um abraço onde posso ser por inteiro, despir as máscaras e os artifícios, expor as feridas e as maleitas, sem medo do teu julgamento, sem medo da minha culpa. Esse abraço onde posso ficar, apenas ficar, de olhos fechados, coração com coração, enquanto expiro as incertezas e inspiro essa esperança que o calor da tua pele me dá. Esse abraço onde me liberto, onde abro as asas sem medo e me atiro por cima de todos os sonhos nos quais acreditas tanto ou mais do que eu. Esse teu abraço tão doce, tão perfeito e tão cheio de nós. Esse abraço tão cheio de primavera, onde me perco por campos de girassóis. Esse abraço tão cheio de estrelas cadentes em noites frias de inverno, com a promessa de desejos cumpridos a cada amanhecer. Quem me dera ficar para sempre nesse teu abraço, nessa tua casa que já é minha. Fechar todas as janelas que nos ligam ao de fora, e voltar-me para o de dentro, onde a magia acontece, onde o tempo não tem tempo e o espaço é proporcional à grandeza dos nossos sorrisos e do nosso querer. Quem me dera ficar para sempre, enquanto o sempre fizer sentido, nesta paz em que me encontro, com o coração sereno e a alma em branco. E então escrever os poemas mais bonitos do mundo, todos os dias, todo o dia, nesse abraço-poesia.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

crónicas soltas | 2

Estar contigo é estar em paz. Aquela serenidade que me contagia e me faz ver o mundo com olhos de (c)alma. Estar contigo é estar mais perto de mim também. Reconhecer-me, Redescobrir-me. E nunca, em momento algum, deixar de ser eu. Porque estar contigo é precisamente poder ser eu por inteiro, com tudo aquilo que me acrescenta e me define, com todos os maus feitios e teimosias. Estar contigo é estar enraizada numa terra que nos acolhe como se fosse natural, em anoiteceres de chuva e vento e o calor de um fogo brando que cresce no peito, em amanheceres de sol prometido, de brisa fresca, de recomeçar. Aprendi que afinal gosto de estar quieta no teu abraço. Estar apenas, naquele silêncio bom que o conforto traz, naquela casa de dois braços e tanta doçura, e tanta certeza. Estar contigo é estar presente, inequivocamente presente neste espaço de amor, de plenitude, sem passado nem futuro, apenas o agora, apenas o que temos e que é tanto e tão bonito. E deixar que a vida se faça lá fora, e que ciclos se fechem e se renovem, e que estações se sobreponham, e que risos ecoem bem alto, para lá do horizonte. Estar contigo é estar assim, nesta mistura de cheiros, toques, essências e bem-querer.


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Acasos

Encontrei-te nos acasos da vida, quando já nem acreditava em acasos, quanto mais em acasos felizes como tu. E esse breve acaso transformou-se num caso sério perante os meus olhos incrédulos e o meu coração naufragado em altos mares de medos e dúvidas. Porque acasos não existem e as coincidências não passam de cordelinhos entrelaçados por instâncias superiores [dizem os crentes]. Porque acasos não acontecem a pessoas com o coração gasto e cheio de cicatrizes feias, nem a almas feridas e escondidas atrás de uma capa de ferro. Acreditava eu que assim era, até ao dia em que, por acaso, cruzámos caminhos e tropeçámos naquilo a que chamam o espaço milimétrico entre um olhar e onde tudo pode acontecer. E esse acaso, que não foi por acaso, transformou-se em algo tão bonito, tão simples, tão nosso, que vivo na constante incerteza entre gritar aquilo que sinto ou guardar no lugar mais bonito de mim toda esta panóplia de sentir. Quando eu já não acreditava em acasos, tu chegaste e mostraste-me que há acasos mais bonitos do que todos os planos do mundo.


crónicas soltas


Poder ser quem somos. Talvez seja essa a magia de qualquer momento. E de qualquer relação. Podermos ser quem realmente somos. Sem máscaras. Sem fogo-de-artifício. Sem justificações. Sem medos. Sem querer agradar. Podermos ser essência e verdade. E é aquilo que eu sinto contigo. Que sou. Eu. Apenas eu e tudo aquilo que me caracteriza. O meu feitio estranho. As minhas gargalhadas sonoras. O meu riso fácil. A minha obsessão pela arrumação. A minha metodologia parva em querer combinar as cores e arrumar as coisas segundo uma ordem pré-definida. A minha teimosia. As minhas justificações para tudo. O meu lado do contra. As minhas teorias. Os meus sonhos megalómanos. O meu feminismo. As minhas posições pró e anti. A minha esquisitice com a comida. (E com a música. E com as séries. E com os filmes. E com a sociedade em geral). O meu inconformismo. O meu lado revolucionário-cómico. O meu lado zen. As minhas contradições. Os meus silêncios. As minhas lágrimas. Os meus fantasmas. Os meus medos. As minhas cicatrizes. Aquilo que não quero dizer para não recordar. E aquilo que digo para expiar. Poder ser quem somos, por inteiro, em verdade, é talvez a mais bonita forma de amor (e de amar).